exposição | mapa

Marília Scarabello

O primeiro mapa em que aparece a América Latina foi elaborado pelo navegador espanhol Juan de la Cosa, capitão da nau Santa Maria, integrante da frota de Cristóvão Colombo. O ano era 1500 e a tarefa, uma encomenda de Fernando I e Isabel I, os Reis Católicos de Espanha. O registro, cujo intuito era documentar os territórios “descobertos” pelas nações ibéricas, traz a primeira representação cartográfica conhecida de um trecho do litoral do Brasil.

Mapas fazem parte do nosso existir. Recorremos a eles em busca de orientação. Nos apegamos a eles como prova de pertencimento. Deles lançamos mão para justificar violências. Mas quem desenha os mapas? Quem decide os códigos, depois daqueles que delimitaram os territórios? Como interpretamos essas coordenadas?

Práticas errantes [mapa] (2022 - 2024), instalação de Marília Scarabello, é um convite à experiência sensorial de desenhar as fronteiras do Brasil a partir de orientações sonoras. Nesta "tela em branco", o visitante é coautor - e, talvez até, refundador de um mapa cujos contornos estão sempre em movimento. Fronteiras são conceitos efêmeros, suscetíveis tanto aos grandes eventos climáticos quanto aos tremores políticos. No caso desta descrição do perímetro, entretanto, a linguagem técnica, estranha à maioria das pessoas, não se deixa contaminar por essas vicissitudes mundanas.

Marília lança a proposta - um áudio com a voz da artista descreve centenas de milhares de coordenadas geográficas, no linguajar específico da agrimensura. O espaço expositivo está desimpedido, chão e paredes deliberadamente neutros estão disponíveis para abrigar as interpretações das coordenadas ditadas. Não havendo nenhuma orientação adicional, cabe ao visitante traduzir os códigos ouvidos e transformá-los em registros gráficos.

Aos não versados no idioma da topografia, fica o desafio de apreender palavras abstratas que falam sobre ângulos de territórios reais e manter em mente os pontos de referência. Cabe lembrar que todas as medições se desenvolvem a partir do norte, mesmo que não tenhamos a menor ideia de onde é o norte numa sala fechada. Mas a voz que narra os limites do Brasil nos informa que um ponto está a tantos graus, minutos e segundos de algum outro ponto. Há uma repetição de menções à Guiana, provavelmente nossa vizinha mais desconhecida, enquanto “azimute”, talvez, nos leve a memórias escolares.

Para Marília, o Brasil é fonte de investigação que se desdobra em praticamente todos os seus trabalhos. Por vezes, seu interesse está nas coisas imateriais que cercam nossa noção de brasilidade, sejam costumes populares ou símbolos impostos pelas instituições que ordenam a sociedade; em outras, é a divisão (justa ou não), o uso (mau ou bom) ou a exploração (sempre especulativa) do solo que impulsionam suas ideias.

Para as presentes práticas errantes, brincamos com a tentativa de desenhar um país a partir de um espaço vazio, construindo traçados que congregarão riscos e manchas e formas, ao sabor dos mais variados corpos, gestos e movimentos. Cada pessoa que entrar na sala, munir-se de um graveto de carvão e se dispuser a deixar seu entendimento das coordenadas se torna cúmplice deste jogo. Como em qualquer trabalho interativo, o resultado é incerto, ainda que as orientações do mapa não mudem. Somos nós que mudamos, e é essa a beleza, mas também o perigo de existir.

Sylvia Werneck

abril de 2024

mês em que se completam 524 anos da invasão europeia do Brasil, testemunhada pelo mapa de Juan de la Cosa. Para os povos que aqui viviam desde tempos imemoriais, mapas nunca foram necessários para seu sentido de pertença à terra. Mas, hoje, são necessários para que se demarquem seus territórios, e que cessem as violências que eles enfrentam desde que a primeira nau decidiu chamar de sua esta parte do mundo.

Fotos por Helena Marc

SERVIÇO

Exposição: Mapa
Artista: Marília Scarabello
Curadoria: Sylvia Werneck

Visitação de 13.04.24 a 11.05.24

Lux Espaço de Arte
Edifício Vera: Rua Álvares Penteado, 87
Quinto andar | Sala 07
Centro | São Paulo SP

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