holofote • conceição mylenna

Por Sylvia Werneck

Publicado em 27 de Novembro de 2021

Rapunzel, presa em sua torre, deixa que seus longos cabelos sirvam de escada para que a bruxa, sua captora, possa visitá-la, alimentá-la, sobretudo controlá-la. São estes mesmos cabelos que tornarão possível que o príncipe conheça a moça para juntos, depois de superados os obstáculos, começarem uma nova história. A narrativa não se detém na simbologia dos cabelos, mas é interessante lembrar que eles eram a fonte da força de Sansão, sedução adicional à voz das sereias, apoio seguro para os capacetes samurais, posicionamento político no movimento Black Power. Ainda que pareçam frágeis, há algo de subversivo nos cabelos – após a morte do corpo humano, são os últimos a se decompor.

No trabalho de Conceição Myllena, os cabelos são elemento frequente. Em Capilário, misturam-se a fibras de caroá para emular a valiosa, porém invisibilizada força de trabalho das operárias de uma antiga fábrica em Caruaru. Em Vidrocracia, são o componente orgânico que invade e percorre um arranjo de materiais industrializados formado por frascos de vidro dispostos sobre um espelho. Nas Tessituras, buscam suturar simbolicamente feridas abertas por processos históricos causadores de grandes injustiças. Culpa lança um olhar crítico sobre aqueles que se calam em tempos difíceis, ignorantes de que sua inação talvez traga paz, mas no longo prazo a consequência é uma gradual autodestruição. O pensamento performático está imbricado em grande parte dos trabalhos de Myllena, não apenas como lembrete de agência, mas também como chamado à ação necessária à criação, não apenas de arte, mas de futuros. O corpo da artista se coloca na paisagem não como existência autônoma, mas enquanto parte de um tecido social. Ter um papel ativo neste tecer requer conscientização e cooperação. Assim como os cabelos, um corpo sozinho é frágil e vulnerável (especialmente um corpo feminino), mas em conjunto se converte em potência transformadora.

• Mercado, 2018

• Corpopaisagem, 2019

• Capilário, 2018

• Vidrocracia, 2020

• Tessituras, 2020

• Paisagem transitória #1, 2021

• Implantes, 2019

• Palavra-chave, 2016

• Culpa, 2021

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