exposição-ocupação | o livro do tempo

Christina Elias

Vestir, cobrir, representar e transmitir. O trabalho de Christina Elias se desenvolve de modo integrado a partir de suas inquietações com a condição de ser mulher, refletindo sobre a dinâmica entre fragilidade sujeita a opressões e força para lutar pela conquista de espaços nas vidas privada e pública. Seu pensamento se manifesta em ações nas quais o corpo é o veículo expressivo, não apenas a tradução física de suas elucubrações mentais, como também o desenho delas. O corpo da artista é o principal material de seu trabalho, usado tanto como instrumento quanto como motivo – um corpo-arquivo.

Em O livro do tempo é a pele que aparece em diferentes interpretações. A pele é sua casca, a fronteira que separa o corpo individual do mundo, ao mesmo tempo que é a membrana por onde os estímulos sensoriais nos chegam. Esta pele simbólica se materializa como vestidos, que são a “pele social”, a imagem que transmitimos aos outros. A própria matéria deles, o tule, se configura como camada adicional de significado, como “pele” permeável, macia, frágil.

O processo de construção destes vestidos/pele envolve ações repetitivas como tecer, trançar e bordar, ofícios artesanais historicamente exercidos por mulheres, transmitidos de geração em geração. A escrita acontece como processo de dessemantização - as frases grafadas na parede ou bordadas nos tecidos seguem o procedimento da escrita automática surrealista, visando a liberação do fluxo de ideias, evocando narrativas que a artista colecionou ao longo da vida em um ato de desnudar-se das cargas simbólicas que a cercam.

O livro do tempo dá vazão ao diálogo do corpo com o seu entorno. As linhas bordadas são escarificações de memórias e pensamentos que transpassam a artista. Os têxteis carregam suas palavras disparadoras, tirando o tecido da condição de encobrir o corpo para evidenciar os estigmas impostos ao ser mulher. Transmitem ao espaço da ocupação o fazer artístico como um ato de resgate e ressignificação de múltiplas vozes femininas, tanto as que foram silenciadas, quanto aquelas que adotaram discursos impostos.

Ao ponto, a ocupação da artista no espaço estabelece possibilidades de observar, construir e representar a identidade feminina ao longo do tempo: partindo da experiência da própria artista, somos levades a refletir sobre o corpo-mulher no contexto político atual. Encontrar os têxteis carregados de memórias e gestualidades que lhe foram transmitidas, como quelóides sobre a pele, é reencontrar a possibilidade de espaço de mutação permanente dentro dos mesmos objetos, onde as palavras podem ser apropriadas por quem as lê e ganham outras cargas simbólicas.

Por Camila Marchiori e Sylvia Werneck


Fotos por Helena Marc: expografia, performance de abertura e performance de encerramento.

SERVIÇO

Exposição: O Livro do Tempo
Artista: Christina Elias
Texto crítico: Camila Marchiori e Sylvia Werneck

Visitação de 04.06.22 a 09.07.22

Lux Espaço de Arte
Edifício Vera | Rua Álvares Penteado, 87
5º andar | Sala 7
Centro histórico | São Paulo SP

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